O cinema de Paolo Sorrentino: música, ascese e busca de sentido em tempos hedonistas
O diretor italiano Paolo Sorrentino (1970 - ) é
atualmente um dos grandes nomes do cinema mundial. Seu longa metragem “A Grande
Beleza”, de 2013, lhe rendeu vários prêmios internacionais, firmando-se como um
dos grandes filmes da presente década e apontando seu autor como um sucessor de
Federico Fellini.
Neste texto analisaremos o uso da música em duas de suas
obras: “A Grande Beleza”(2013) e “A Juventude” (2015).
Em “A Grande Beleza” Sorrentino emprega a música de uma
maneira parecida à de autores como Ingmar Bergman e Stanley Kubrick, trazendo
para a trilha sonora obras musicais de compositores eruditos e entretecendo-as
ao corpo de seu filme.
E é Stanley Kubrick que “ouvimos” quando a composição “I
lie”, de David Lang, surge no início da obra. Em princípio parecendo ser uma
música de fundo, ou seja, fora da cena, no decorrer da mesma descobrimos que
ela está sendo cantada por um coro dentro do palácio, lembrando, assim o uso de
Kubrick, conforme apontado em nosso texto anterior sobre o filme “De olhos bem
fechados”, particularmente a música tocada no apartamento do médico Bill
Hartford no princípio do longa metragem do diretor estadunidense.
O título “I lie” (eu minto), da composição de Lang,
funciona como uma metáfora da história contada no decorrer do longa metragem,
conforme veremos ao longo deste texto. E já neste início Sorrentino nos
apresenta o caráter irônico que prevalecerá em toda a obra, justapondo essa
composição à cena dos turistas fotografando o monumento arquitetônico,
parecendo enfatizar o caráter ilusório do papel do turista e do uso alienado da
fotografia como tentativa de registrar um momento fugidio, artifício tão
corriqueiro em nosso tempo. A ilusão do turista é achar que quanto mais fotos
tirar e quanto mais lugares visitar no mínimo período de tempo, mais bagagem
levará de volta para casa. É a valorização cega da quantidade, marca de nossa
era (ou mesmo de todo o ocidente?). A viagem, para o turista, é mais uma
mercadoria como tantas outras, que ele paga e consome. E nela ele vai para ser
servido, para que suas expectativas sejam atendidas, convicto de que será bem
recebido em bons hotéis, pousadas, etc., que comerá e beberá bem, que será
bajulado e que as paisagens corresponderão ao que ele já “conhecia”
antecipadamente por meio de fotos de outrem. No fundo, o turista sai de casa em
busca de uma diversão para aliviar sua rotina, refletindo o que os autores da
teoria crítica, como Adorno, Horkheimer e Benjamin, entre outros, apontam como
a alienação do entretenimento, ou seja, o entretenimento funcionando como um
passatempo para manter o trabalhador distraído nos horários de folga entre seus
expedientes de trabalho e, desta forma, não questionar o sistema que o mantém
como um escravo dócil. O turista é aquele que superficialmente vai aos lugares,
sem sair do seu próprio lugar, na esperança de que leve algo do lugar que
visita para a sua casa, especialmente por meio de fotos. No fundo, ele não se
relaciona com os lugares e as pessoas, não enriquece substancialmente sua
experiência de vida, pois não se envolve, não se entrega.
Aliás, o coro parece estar presente alí como se fosse uma
colagem, aparentemente estando em um outro plano de existência em relação ao
grupo de turistas. Talvez mais presente no tempo passado, junto com a
arquitetura do local, e menos no tempo presente dos turistas.
O protagonista da história será apresentado na cena
seguinte, mas a idéia de que vivemos constantemente em meio a ilusões que
ocultam coisas de grande valor, que perpassará o enredo do filme, já está
lançada nesta primeira seção. Ela aparece na imagem da Roma antiga, sua arte
eterna, aquilo que produziu e sobreviveu aos séculos, mesmo em meio à agitação
do mundo moderno, com seu hedonismo alienante, seu consumismo imoral e sua
verborragia superficialista.
A
propósito, a transição entre as duas seções é feita de maneira bastante
habilidosa por Sorrentino, ligando as duas cenas por meio de um grito que muda
de função de acordo com cada uma das duas cenas, servindo tanto para expressar
a surpresa e o horror perante a morte do turista quanto a alucinação festiva
dos participantes da comemoração de aniversário de Jep. O grito funciona como
um pivô, elemento de transição, “modulatório”, magnífico artifício artístico do
diretor italiano, o qual acaba nos revelando em cada detalhe o porque de seu
status como grande diretor da atualidade. Aliás, é um recurso semelhante ao que
encontramos em certas obras de música contemporânea, como nas transições de
algumas seções da Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky. O grande
compositor russo se vale do recurso de empregar um elemento simples de ligação
entre duas partes que, em seu interior, não apresentam características em
comum, o que, sem tal recurso, facilmente resultaria em uma colcha de retalhos
sem muito sentido de continuidade. No entanto, com tal simples artifício,
Stravinsky nos convence musicalmente oferecendo-nos a ilusão de uma passagem
“harmoniosa” de uma seção à outra (ou, mais propriamente, a ilusão de que não
há contrastes marcantes entre uma seção e outra).
Encontramos
artifício semelhante nas três “Metamorphosis” de Maurits Cornelis Escher, o
grande gravurista holandês que, embora trabalhe intensamente com a
transformação dos motivos, ainda assim emprega alguns desses como elementos de
transição entre um padrão e outro, assumindo um perfil de pivô, como a torre de
xadrez nas Metamorphosis II e III.
O
diretor napolitano constrói no filme uma justaposição da Roma eterna, presente
em seus monumentos, esculturas e demais obras de arte com a Roma atual, da
elite decadente que passa seus dias no luxo de festas banais e ostentação sem
sentido, perdida, buscando sentido para a vida. Aqui (e em outras referências
no decorrer do filme, como nas enfáticas cenas na Via Veneto ou dos
estrangeiros) aparece uma das mais diretas e marcantes referências ao mestre
Federico Fellini, ao qual Sorrentino tem sido comparado. Em “La dolce vita”,
uma de suas mais importantes obras, Fellini retrata uma alta sociedade romana
decadente, permeada por valores superficiais e falta de sentido na vida. Como
no filme felliniano, “A Grande Beleza” enaltece a capital italiana, o peso de
seu passado dando o tom de sua grandeza (assim como de sua decadência, como
tudo que vive muito tempo experimenta). De forma bem latente, talvez também uma
reminiscência a um dos maiores artistas italianos (embora, de origem grega) de
todos os tempos: o pintor Giorgio De Chirico, que, na fase mais importante de
sua obra, tirou da pintura de monumentos italianos a expressividade mais
profunda de sua mensagem artística.
“A Grande Beleza” é uma obra que nos fala sobre o sentido
da vida. Acompanhamos Jep Gambardella em sua busca pela ressignificação de sua existência
através do reencontro com a escrita, tendo passado quarenta anos sem escrever
nada e vivendo dos frutos que o sucesso de sua grande obra o proporcionou.
Sorrentino
coloca Gambardella como uma metáfora para o ser humano moderno ocidental:
alguém que alcançou sucesso e se acomodou com as superficialidades que tal
posição lhe trouxe, perdendo suas “raízes” e a capacidade de se entregar a algo
maior que as frivolidades diárias. O apego ao luxo e ao hedonismo lhe embotaram
o espírito, reflexo da falta de comedição de nossa era. Jep está envolto por
personagens perdidos diante da angústia de viver uma vida vazia. Presos a um
mundo corrompido, marcado pelo excesso de recursos, prazeres e mercadorias, mas
esvaziado de sentido.
O
hedonismo de nossos tempos é um chamado obscuro, um canto das sereias, que
atrai e destrói a criatividade, suga nossas energias criativas. Nos perdemos
nos excessos. Temos abundância de estímulos, de recursos (não obstante a
massacrante e crescente desigualdade social), de coisas, de alimentos (apesar
da fome de muitos ainda prevalecer). No entanto, hoje há escassez de humildade,
de solidariedade, de sacrifício, de entrega, de simplicidade. Como no mito de Dédalus
e Ícaro, no qual o excesso de soberba de Ícaro o levou à queda no mar, nosso
excesso de coisas está nos desintegrando. Precisamos reaprender o caminho da
comedição. Precisamos empreender um retorno a uma qualidade de incomensurável
valor: a simplicidade.
É esta a mensagem de “A Grande Beleza”: somente o retorno
à simplicidade pode nos fornecer suporte para realizar grandes feitos e nos
livrar dos vícios de um mundo corrompido pelo hedonismo.
Mas
Sorrentino não sucumbe a um moralismo fácil e irrealista. Sua análise das
relações humanas também evoca as irremediáveis contradições humanas, nos
apresentando situações que nos obrigam a nos colocar de cabeça para baixo e
enfrentar nossos próprios preconceitos, revelando-nos personagens que vivem sob
uma aparência de superficialidade, mas que, no fundo, são apenas personas para
proteger ou ocultar problemas de grande profundidade, como é o caso da stripper
Ramona.
Em mais uma referência ao universo felliniano, por ser um
artista em busca da inspiração perdida, Jep Gambardella nos faz lembrar Guido,
de “8 ½”, cuja dificuldade em produzir um novo filme perpassa a história do
longa de Fellini.
Outra referência a Fellini pode ser encontrada na figura
caricatural do cardeal, envolvido em uma vida de luxo e banalidade, que aponta
para uma crítica à Santa Sé, assim como Fellini faz em seu longa metragem
“Roma”.
Por outro lado, Sorrentino nos apresenta a figura
virtuosa de Irmã Maria – uma santa em vida, modelo de abnegação e de ascese,
extremo oposto da figura do cardeal – a qual, tendo lido e apreciado a obra de
Jep, apontará para este, no breve diálogo entre ambos, o caminho que ele
próprio já estava à procura desde que tivera a notícia da morte daquela que
fora seu amor e inspiração na juventude.
“porque as raízes são importantes”
A história do longa é – entre tantas outras riquezas,
referências simbólicas, reflexões e magníficos diálogos e imagens – um desenrolar
da reconstrução das memórias de Jep em relação à experiência marcante de seu
primeiro amor, que lhe dera inspiração para realizar sua grande obra, quarenta
anos antes. Sorrentino nos adianta algo do que será o encontro final de Jep
quando coloca na fala de uma personagem secundária o comentário de que ele
provavelmente estava profundamente apaixonado quando escreveu seu livro.
Desta maneira, o tema da paixão como motor da vida é um
dos elementos que o diretor napolitano nos indica como passíveis de nos
proporcionar uma recuperação do sentido do viver. Ele também enfatiza a
valorização das “raízes”, ou seja, valores sedimentados, seja em nossas vidas
individuais, seja no âmbito mais amplo da cultura. Cenas e imagens diversas ao
longo da obra reforçam essa mensagem, como a ênfase nas obras arquitetônicas e
esculturais de Roma, particularmente no início, realçando a arte “eterna”,
consagrada da grande capital. Também aparece em meio aos ricos diálogos que
abundam no decorrer da história, como quando a editora, Dadina (sua
confessionária), para a qual Gambardella trabalha, comenta que “o velho é
melhor que o novo”. Toda a obra é perpassada por personagens cuja intensidade
de sentidos está lastreada no passado, seu sentido de intensidade do viver está
ligado ao passado.
Outro desses temas que são recorrentes é o de viver as
situações com intensidade e autenticidade, não apenas falar a respeito delas,
como na catártica cena da discussão de Stefania com Jep num encontro de amigos no
apartamento dele.
“Em vez de agir com
superioridade e nos tratar com desprezo, deve nos tratar com afeto. Estamos
todos à beira do desespero. Tudo que podemos fazer é nos olhar no rosto, nos
fazer companhia, contar uma piada às vezes...”
E ainda quando Irmã Maria profere a simples, porém impactante
frase:
“você não pode falar sobre pobreza,
você tem que vivê-la”
Mais um desses elementos é a temática do sacrifício, a
entrega a uma causa, disposição (rara em nosso tempo) de se viver por algo que
se imputa valor. Isto é o que Irmã Maria
incorpora, em oposição destacada perante o mar de banalidade em meio ao qual a vida
de Jep vinha se desenrolando (que é o perfil dominante de nossa vida atual).
Como
é apontado no poema do início, na cena da girafa e na conclusão final de Jep, tudo
é uma ilusão, a Grande Beleza está aí, em toda a parte, escondida por baixo das
superficialidades triviais e banais.
E a maneira de a encontrarmos, de acordo com o diretor, é
pela adoção de uma atitude ascética diante da vida, um retorno a um modo
epicurista de se viver, transformando nosso comportamento e nossos hábitos, em
suma, uma transformação da “economia” do viver (pensando num sentido originário
da palavra, “oikonomia”, ou seja, de organização da casa), podando nossos
excessos de materialidade, de superficialidade, insensibilidade e de incessante
busca por prazeres que marcam o modo atual de se viver e adotando uma postura de
abnegação, simplicidade, ética e busca de valores mais elevados.
Sorrentino
é um contador de histórias, ao estilo antigo. Embora embeba seus filmes com uma
roupagem atual, trazendo temas e recursos de nosso tempo, ele mistura a eles
elementos já classicizados. E suas histórias se fecham, nos trazem esperança,
têm finais felizes. Ele ironiza, aponta problemas, mas nos afaga, nos aponta
caminhos.
O
cinema para este autor não é um joguinho de experimentação pueril e tampouco um
simples recurso catártico para pequenos problemas individuais de ordem
psicológica ou como ferramenta política crua. Ele o usa como um veículo de
constatação de uma realidade e proposição de mudança.
Ele
é um artista, que usa seu meio para dialogar com a vida. Como já apontamos em
um texto anterior, sobre música e política, a arte, com seu poder de impactar e
transformar o ser humano, tem um grande potencial de uso político. Porém, não é
o uso vulgar, ingênuo, como nas canções de letras diretas, que tem o impacto
mais profundo, mas sim obras como esta de Sorrentino, dotadas de “grande
beleza”, que possuem maior força de penetração. Pois a beleza artística acaba
penetrando em todas as camadas e perfis que compõem a sociedade, mesmo entre
aqueles aos quais a crítica se dirige. Sorrentino é um diretor que, como dizem,
“coloca suas câmeras por trás do poder”, desenvolvendo suas histórias entre
elementos e cenários das classes dominantes. No entanto, isto não faz de sua
arte uma arte cômoda a essas classes. Seu cinema é crítico, provocador. Porém,
ele o faz com classe, com grande arte, com beleza. E isto, de forma
magnificentemente diplomática, torna sua arte um grande veículo de expressão de
idéias com grande força de penetração, por não ser limitada a um gueto, como
comumente são os manifestos politizados. Seu cinema tem poder de penetração,
por meio de sua beleza chega aos olhos e ouvidos daqueles aos quais ele está
remetendo a crítica.
Profundidade e simplicidade
“A Grande Beleza” aponta para a ascese como uma prática
para a busca de sentido no viver diante do fracasso humano de nosso tempo, um
tempo no qual abundam tecnologias de inovação e criação de produtos e
aparelhos, mas que, por outro lado, tem (propositalmente) escassez de
tecnologias para lidar com a natureza do ser humano.
Em um mundo soterrado pela quantidade, pelo consumismo,
pela acumulação e pelo excesso de coisas, “A Grande Beleza” traz a valorização
da simplicidade e da busca de sentido como alternativas para se viver a vida.
A trilha sonora do longa metragem segue no mesmo caminho.
O filme faz uso de obras de compositores que trabalham com a estética
minimalista, com uma linguagem simples, com poucos elementos, com economia de
sons e também com inspiração na religião. Aqui, no aspecto das obras musicais
também ecoa a mensagem da obra de Paolo Sorrentino, ou seja, a simplicidade como
saída para nossa riqueza de recursos e pobreza de valores e de sentido na vida.
O minimalismo
em música foi um movimento surgido nos EUA no final dos anos de 1950 e início
dos anos de 1960. Caracteriza-se principalmente pela economia de recursos
musicais, repetição de elementos, estaticidade, pulso, ritmos hipnóticos, modalismo
ou tonalismo simplificado e adoção de influências musicais de outras culturas. Posteriormente
o minimalismo extrapolou as fronteiras do mundo erudito e chegou fortemente à
música comercial, particularmente, ao rock.
Por sua natureza e diante da época que surgiu, essa
música se constituiu como um contraste em relação à complexidade da música
vanguardista do período da Guerra Fria, marcadamente o Serialismo Integral.
Os serialistas trabalhavam com complexas fórmulas de
manipulação das séries de sons e desejavam avizinhar a música com campos mais
duros da experiência humana, como a matemática, a física e as engenharias. São
um reflexo direto do imaginário de uma época, dominada politicamente pelo
conflito de duas potências mundiais à beira de uma guerra nuclear que nunca
veio (através da predominância das dualidades: certo ou errado, científico ou
não-científico, bom ou mal, esquerda ou direita, etc) . Na música e no discurso
dos compositores associados a essa estética vemos estampado o ideal do
progresso científico ocidental levado ao extremo, transparecendo uma crença de
que o futuro sempre seria melhor que o passado e, portanto, buscar a inovação tecnológico/musical
sempre seria a única saída.
É em oposição a esse mundo de “zero ou um” (o mundo da
lógica digital) que o minimalismo se coloca, trazendo a repetição, a
observância de um tempo mais próximo à percepção humana, a referência a outras
culturas e ao passado, ou seja, a elementos que a percepção humana possa captar
mais facilmente. Steve Reich, um dos mais importantes compositores pertencentes
a esse movimento falava que buscava pensar sua música como um processo de
transformação que, embora contínuo, pudesse ser percebido com clareza pelo
ouvinte, diferentemente das múltiplas, exageradamente complexas e rápidas
transformações musicais presentes em outras estéticas vanguardistas que, muitas
vezes, eram impossíveis de serem captadas pelo ouvido humano.
Desta forma, a música que acompanha o filme está
sugerindo a mesma coisa que o enredo de Sorrentino: um retorno à simplicidade.
Reencontrar-se num retorno.
Minimalismo - após todos os grandes vôos da música do
século XX, um retorno a uma experiência perceptória mais simplificada.
Aqui ressoa mais uma vez as imagens da arte arquitetônica
romana que o filme insistentemente nos inunda os olhos e, mais diretamente, a
já referida frase de Dadina à Jep:
“o velho é melhor que o novo”
As músicas que compõem a trilha sonora, de Arvo Pärt, Zbigniew
Preisner, John Tavener, Henryk Górecki, Wladimir Martynov e David Lang são
músicas de estética minimalista. A maior parte delas traz também o elemento
religioso como característica expressiva. Talvez pudéssemos até cogitar a
existência de um certo “minimalismo místico”, como uma possível tendência da
música de nosso tempo, resposta musical a um estado de coisas como o anunciado
no filme de Sorrentino, marcado por uma riqueza de recursos e pobreza de
valores e de sentido na vida.
Músicas apontando para a religião como um caminho para o
encontro consigo mesmo. Religião (não uma religião “fácil”, do não
comprometimento, própria aos tempos modernos, consumista, mas, sim, como uma
filosofia de vida, marcada por entrega, sacrifício, coerência, desenvolvimento
pessoal, amadurecimento como ser humano), simplicidade e introspecção como
saídas para o impasse do mundo moderno, mergulhado no luxo, na ostentação e nas
violentas desigualdades sociais.
Desta forma, imagens, história e sons se refletem em um
único significado.
Obviamente, não defendemos aqui que o minimalismo seja “a
saída” para a música da atualidade. O amálgama feito por Sorrentino entre esse
tipo de música e seu filme se dá pelo sentido do enredo, conforme entendemos,
ou seja, a correspondência entre a idéia da simplicidade no viver a vida e a
maneira como esse aspecto (simplicidade no tratamento dos elementos musicais)
está impregnado no estilo de composição chamado de música minimalista (que,
aliás, nem é um consenso entre os díspares compositores que são considerados
pertencentes a ele).
É necessário dizer que as conexões entre a película e a
música não param por aí. Há importantes relações mais individualizadas entre o
uso de cada música e as cenas em que aparecem.
Já citamos anteriormente a obra “I lie”, do compositor
estadunidense David Lang. Essa obra (para coro “a cappella”, remetendo ao
tradicional repertório de música religiosa para coro, funcionando, assim, como
mais um reforço ao papel da religião na proposição de Sorrentino, fortemente
personificado pela figura de Irmã Maria) marca o longa metragem, aparecendo
logo no princípio, quase como saindo do silêncio, como uma viagem que lentamente
se inicia, parafraseando o incipit colocado no início do filme “Viagem ao fim
da noite”. Sua interpretação, nesse princípio do filme, se dá por um coro em
tempo real. É uma obra que funciona como metáfora para o longa metragem.
A obra “The beatitudes”, de Wladimir Martynov, é
recorrentemente apresentada ao longo do filme, acompanhando a personagem madame
Ardan, a exposição do fotógrafo sobre fotos suas tiradas a cada dia de sua
vida, a nobre empobrecida – Elisabetta Colonna de Reggio, que encontra sentido
para sua vida tentando reviver continuamente sua história – e ao final do
filme. Faz-se uma similaridade entre personagens presos a questões do passado e
as características estáticas dessa composição minimalista com caráter de
resignação. Musicalmente, ela é constituída de um material que retorna
constantemente e uma harmonia tonal simplificada que emprega poucas e suaves
dissonâncias, dando um perfil de circularidade à obra. O caráter de
tranquilidade e resignação é fortemente enfatizado no final, quando ela é
empregada junto com os créditos da obra. Ao lado das personagens parece também remeter
à nostalgia de uma Roma poderosa, elegante e estável, cujas ruas, obras e
monumentos estão sempre onipresentes. É a tradição servindo como elo e sentido,
o passado servindo como base para a vida.
Digno de nota também é o uso de “The lamb”, de John
Tavener. Significativamente, a obra soa quando Irmã Maria está subindo a
escadaria, ressoando o sentido cristão do nome da obra, “O cordeiro”, aquele
que é sacrificado em prol de algo maior. Nesse final do filme alternam-se
imagens de Irmã Maria na escadaria e de Jep trazendo a memória de seu amor de
juventude. Acompanham suas palavras, que revelam que ele finalmente encontrou a
“Grande Beleza” que procurava, que consiste justamente em sacrificar o luxo e
as superficialidades para se encontrar com uma vida de maior simplicidade e
sentido. O sacrifício nos liberta,
permitindo-nos remover a ilusão que nos esconde a “Grande Beleza” que está
sempre oculta por trás da realidade do cotidiano.
Referimos anteriormente o notório trabalho com as trilhas
sonoras realizado por Stanley Kubrick. Paolo Sorrentino apresenta uma diferença
digna de nota em relação ao mestre estadunidense. Enquanto Kubrick trabalha em
vários de seus filmes com obras individualizadas, escolhidas por suas
características intrínsecas a elas mesmas, Sorrentino, neste filme, trabalha
com um estilo específico de composição, o qual reflete o espírito do enredo de
seu filme. Mais do que uma ou outra obra específica, é o conjunto dessas obras
(o movimento e/ou estilo ao qual se alinham) que acaba identificando uma
mensagem específica que o diretor quer passar.
Como
é apontado no poema do início, na cena da girafa e na conclusão final de Jep,
tudo é uma ilusão, a Grande Beleza está aí, em toda a parte, escondida por
baixo das superficialidades triviais e banais.
A
vida está sempre ali...escondida sob o chão do cotidiano...
“está tudo sedimentado
sob o falatório e os rumores
o silêncio e o
sentimento
a emoção e o medo
os insignificantes,
inconstantes lampejos de beleza.
Depois a miséria
desgraçada e o homem miserável
Tudo sepultado sob a
capa do embaraço de estar no mundo”
Juventude: a grande beleza
“A juventude” é o longa metragem posterior na filmografia
de Paolo Sorrentino. Embora com um cenário diferente, este filme traz mais uma
vez a profundidade de questionamentos sobre valores e significados para a vida que
já estavam fortemente presentes em “A Grande Beleza”.
O filme nos apresenta o protagonista Fred Ballinger,
compositor e regente aposentado que, junto com um amigo cineasta, passa um
período de férias num hotel na Suíça. Acompanhamos ao longo da história as
lembranças do passado e as reflexões sobre aquelas e sobre o processo de
envelhecimento que ambos enfrentam.
Em mais um filme de profunda sensibilidade, Sorrentino novamente
realça a importância da simplicidade como caminho para se encontrar uma vida
com maior sentido.
“ninguém no mundo se sente capaz, então não há razão
para se preocupar”
Neste
longa Sorrentino mais uma vez nos aponta a verborragia esvaziada de sentido
como um dos vícios de nosso tempo. E, outra vez, sua postura que, embora tenha
um caráter de ironia, ao mesmo tempo é construtiva, nos indica possíveis
saídas. Ele enfatiza no decorrer do longa a figura da massoterapeuta taciturna,
que prefere se recolher em seu silêncio e sua solidão “potencializada” (ou
seja, ela é só, mas NÃO SE SENTE SÓ) do que se perder na confusão das palavras.
É encantador o perfil auto-centrado e equilibrado da personagem. Em um certo
momento, questionada pelo protagonista a respeito de se relacionar por meio do
toque, ela responde que nunca tem nada a dizer e que os maiores prazeres da
vida os encontramos por meio do toque e não da palavra. Portanto, para que
falar?
Em
mais uma de suas inteligentes ironias, Sorrentino retrata a marcante juventude
da personagem, contraste evidente com o estereótipo da juventude de nossos
tempos, tão marcada pela falação contínua e pela vida banal e ilusória baseada
na realidade virtual. Ainda segundo esse estereótipo, quando mais críticos,
tais jovens tendem a assumir posicionamentos políticos radicais, marcados por
uma valorização da verborragia em detrimento ao raciocínio, a sensibilidade e a
reflexão, resultando em pessoas jovens, imaturas, porém com fortes convicções a
respeito de coisas da vida que elas ainda desconhecem. Ou seja, o oposto da
personalidade da massoterapeuta, que é jovem, porém, serena, taciturna,
tranquila e madura.
Esse é mais um exemplo de como Sorrentino gosta de explorar
as ambiguidades de seus personagens, nos iludindo com as aparências e
superficialidades que certas cenas nos evocam. Ele brinca com nossas
expectativas, revelando o outro lado que pode haver nas pessoas ou em
situações, como no caso de Ramona em “A Grande Beleza” ou na cena da conversa
entre o ator hollywoodiano e a miss universo em “A juventude”. Desta forma, nos
adverte que a vida nunca é simples, que ela é impossível de se encaixar em
fórmulas simples, não é redutível aos nossos preconceitos, ao vício inerente a
cada um de nós de olhar o mundo a partir de nossos unilaterais pontos de vista.
Ele nos chama a atenção para os vários lados que uma única pessoa possui.
Novamente
o enfoque nas idiossincrasias das pessoas (lembrando, talvez, Eric Rohmer), em
suas incongruências, incoerências, mostrando que todo ser humano pode ser
maravilhoso ou insuportável, dependendo apenas da situação em que está
envolvido ou do ponto de vista pelo qual o observamos (explicitado no filme,
entre outras passagens, pela miss universo que é dotada de grande inteligência ou
o ator hollywoodiano que lê Novalis, caracterizando, assim, dois personagens
que escapam ao clichê comportamental dominante).
“A juventude” nos fala de simplicidade, beleza
e amor. Viver com sentido...encontrar um sentido para se viver, mesmo que seja
na velhice.
Ballinger
conta que compôs a música que o garoto estudava ao violino quando ele amava. Este
é outro tema que já estava presente no filme anterior e aqui é novamente
realçado: o amor nos move a construir coisas valorosas.
“as emoções são tudo que temos”
Outro tema que reaparece é o da morte. Ao mesmo tempo que
Sorrentino nos conduz a uma rica reflexão sobre o sentido da vida, ele também
nos traz, de forma bastante marcante, elucubrações sobre os limites de nossas
vidas. No primeiro longa comentado ele nos coloca diante da formalidade da
morte – a morte como ritual para os vivos – com Gambardella nos esmiuçando as
regras de etiqueta para um digno comportamento num evento como esse,
acompanhado do belo “Dies Irae” de Zbigniew Preisner. Logo depois, a silenciosa
e profundamente simbólica morte de Ramona.
Em “A juventude”, provavelmente em um gesto de verdadeira
auto-reflexão, já que o personagem Mick também é cineasta, o diretor nos propõe
a reflexão sobre o quanto vale viver quando aquilo em que mais acreditamos não
existe mais. Temática que, de certa forma, enfatiza a posterior decisão do
protagonista ao valorizar um “retorno” à vida. É a contraposição crua de dois
temas opostos, um dando a medida de existir do outro. Morte e vida coexistindo,
uma significando a outra.
Assim
como em “A Grande Beleza”, o diretor napolitano dá um discreto enfoque sobre a notória
presença de estrangeiros na Itália e particularmente na presença dos chineses. Ainda
aqui ressoa a influência do mestre Fellini, particularmente de “La dolce vita”,
que, em sua época, apontava para a forte entrada da cultura estadunidense na
vida italiana do pós-guerra. Com Sorrentino, temos a atualização desse quadro
para os dias atuais, de globalização, tendo os chineses como potência em
ascensão. Em “A Grande Beleza” vemos chineses andando de limusines e
frequentando restaurantes de luxo na Via Veneto. No caso de “A juventude”, além
do grande número de estrangeiros no hotel, especialmente a figura da soprano
chinesa chama mais a atenção. O mundo da música erudita de raiz européia, desde
os tempos dos mestres franco-flamengos (início da renascença), guarda um perfil
internacionalista. Porém, era um internacionalismo que compreendia
principalmente nações poderosas européias e suas relações de proximidade de
suas famílias reais, as quais se entendiam como supranacionais. Agora, a
situação hipotetizada no filme, no qual uma cantora de música erudita chinesa
alcança o nível de estrela internacional, atualiza esse cenário, demonstrando uma
significativa ocidentalização da cultura daquele país. Justamente naquele país,
o qual ainda preserva uma cultura musical que sobrevive há pelo menos quatro
milênios sem significativas alterações em seu sistema de base, caso único entre
as grandes tradições musicais conhecidas no mundo.
Simplesmente, música
Em “A juventude” a música assume papel de maior
importância, com o protagonista sendo um músico e boa parte da temática
passando por questões do mundo da música, como a frequente alusão ao compositor
Igor Stravinsky (inclusive um trecho da obra “O pássaro de fogo” está presente
na trilha sonora), um dos mais importantes compositores de todos os tempos. Com
o desenrolar da história, ficamos sabendo que Ballinger conheceu e conviveu com
Stravinsky.
No entanto, há novamente (e desta vez mais ainda) uma
marcante economia de músicas e sons. O minimalismo também está presente na quantidade
de música utilizada, tendo o silêncio um emprego bastante expressivo ao longo
da obra cinematográfica.
David Lang produz a trilha sonora em perfeita consonância
com a produção do enredo e das imagens de Sorrentino. Um brilhante casamento de
diretor e compositor, lembrando os grandes tempos de outros pares famosos do
cinema, como Hitchcock/Berrmann ou Fellini/Rota.
Duas composições de Lang se destacam no filme: “Just”,
que é primeiramente apresentada somente aos quarenta minutos do longa, com a
cena do Maradona suspendendo a muleta e dando autógrafos, lembrando sua
juventude, à qual, segundo o enredo, o personagem está ligado (ou seria mais
propriamente, à juventude do diretor, um torcedor do Napoli onde o grande jogador
atuou?).
A outra obra é “Simple Song 3”, que está intrinsecamente
amarrada à história como uma composição de Fred Ballinger. Seu motivo principal
é constantemente enunciado ao longo do filme em diferentes situações, como um leitmotiv que mostra os vários lados de
um personagem, cenário ou idéia abstrata, até que a canção seja apresentada
integralmente ao final, como que reunindo todos os aspectos que tinham sido
enunciados anteriormente.
“Eu
só entendo de música.
E
sabe por quê?
Pois
para entendê-la é preciso de experiência, não de palavras.
Ela
simplesmente é.”
Em
sua rica e constante referência à música ao longo do filme, Sorrentino nos
presenteia com lindas cenas, como a dos cucos, perfazendo uma composição
minimalista ocasional, com a sobreposição de vários relógios emitindo sons
simultaneamente, porém, com entradas defasadas, como é comum em compositores
minimalistas, particularmente em Steve Reich.
Outra
passagem marcante é quando Ballinger rege as vacas, evocando mais uma vez o
motivo da “Simple Song 3”.
Auto referência
No
longa aparece uma convivência de personagens reais e fictícios, como o já citado
compositor Igor Stravinsky.
Além
dele, Sorrentino coloca o ícone do futebol Diego Armando Maradona no enredo do
filme quase como um personagem de um conto do realismo fantástico.
O
personagem está presente no hotel, um pouco caricaturizado, sendo retratado
como alguém vivendo do passado, da sua juventude, assim como algumas
personagens do filme anterior.
Porém,
mais que representando o Maradona real, o personagem do filme está presente
como uma auto-confissão do diretor napolitano (talvez, mais uma vez refletindo
Fellini e suas memórias de infância que transbordam em clássicos como “Os boas
vidas” e “Amarcord”), trazendo a idéia de juventude como própria de um estado
de espírito que demanda (mais uma vez) simplicidade e abertura para viver a
vida. Aqui Paolo Sorrentino traz uma figura de sua própria juventude, que
provavelmente o fizera sonhar e viver intensamente a idade, pois o gigante
argentino fez seu reinado no clube de futebol da cidade de Sorrentino, nos anos
de 1980, época em que Diego dominava o futebol mundial.
“quando se é jovem, tudo nos parece muito próximo, é
o futuro,
porém, quando se envelhece, tudo parece muito
distante, é o passado”
As imagens falam por si
Mais
que sons e palavras, o cinema é, por excelência, a arte das imagens.
Se, como frequentemente defendemos, a música guarda um
imenso poder sobre a natureza humana justamente por ela atuar na psique num
nível muito mais profundo, inacessível ao que a palavra racionalizada consegue
chegar (como, no filme, Ballinger diz, a música “simplesmente é”) e, desta
forma, não estando dependente de palavras e explicações racionalizadas para se
chegar a seu mais profundo sentido, o cinema – ainda que, assim como a ópera,
seja uma resultante da somatória de outros campos artísticos –, por sua vez,
tem nas imagens o seu mais importante veículo de expressão, que, por si só, já são
capazes de proporcionar uma experiência estética indelével na psique humana.
E, por mais que o cinema de Sorrentino, nas duas obras
focadas, apresente a aludida riqueza de associações com a música e roteiros que
nos convidam a filosofar e refletir sobre sociologia, política, artes e,
principalmente, sobre os sentidos que damos para nossas vidas, ele é, acima de
tudo, um deleite para os olhos. É evidente a sensibilidade desse diretor no
trato com as imagens, sua preocupação com a elaboração de cenas que nos
convidam à contemplação e à fruição dessas imagens como um objeto em si mesmas,
numa perspectiva de arte por arte, ainda que todo o sentido narrativo e as
inter-relações com a música – já comentados neste texto – permaneçam sem nenhum
prejuízo.
Assim, este é mais um dos atributos que qualificam Paolo
Sorrentino como um dos maiores criadores de cinema de nossos tempos. Ele nos
convida a degustar as cenas, contemplá-las isoladamente por sua beleza
intrínseca, independentemente de sua relação funcional com o todo da obra
(ainda que elas estejam indissociavelmente amarradas à trama). Talvez, por
isto, mais uma vez remeta à música minimalista por semelhança ao que Steve
Reich fala sobre “música processual”, isto é, uma música na qual todos os
processos empregados em sua composição são audíveis/compreensíveis para o
ouvinte, permitindo que esse ouvinte deguste cada um desses momentos.
Desta maneira, essas duas obras de Sorrentino situam-se
como um dos pontos mais altos que a arte de nossos dias conseguiu alcançar. Um
cinema original, maduro, com uma forte crítica (feita de maneira inteligente) à
sociedade ora instaurada (particularmente às nossas elites), um questionamento
sobre as vicissitudes da arte moderna (especialmente os vícios, incoerências e
infantilidades das vanguardas), que procura refletir sobre nossa maneira de viver
a vida, nossos sentidos de vivê-la, e que, mesmo com uma forte carga de ironia,
não deixa de ser otimista, de apontar caminhos para um possível aperfeiçoamento
de nossos hábitos e comportamentos e, acima de tudo, com um incrível aporte de
elementos simbólicos e apresentando uma alta qualidade artística.
Tudo que se pode esperar de uma verdadeira obra de arte.
“...Tenho que escolher
o que vale a pena contar: terror ou desejo? E escolho o desejo. (...) Quero
retratar o seu desejo, o meu desejo. Puros, impossíveis, imorais. Mas não
importa, são o que nos mantém vivos.”
* * *
“A Grande Beleza” e “A juventude” são duas obras orgânicas
entre si, quase que tratando, de formas diferentes, dos mesmos temas. Ambas
falam sobre redescobrir um sentido na vida (a grande beleza), apresentando protagonistas
que se reconciliam com o que há de mais rico e profundo em suas existências, encontrando-se
com algo de sua juventude que revitaliza seu ímpeto perante a vida.
TEXTOS RELACIONADOS
REFERÊNCIAS
Dicionário Grove de Música – edição
concisa
editado
por Stanley Sadie
ZAHAR
PERSONAGENS
minimalismo
Palavra
aplicada desde o início dos anos 70 a várias práticas de composição utilizadas
desde o início dos anos 60 (quando eram geralmente conhecidas como ‘música
sistemática’), cujas características – harmonia estática, ritmos e repetição
padronizados – buscam reduzir radicalmente a gama de elementos compositivos.
Entre os principais compositores de música minimalista incluem-se La Monte
Young, Terry Riley, Steve Reich, Philip Glass, Cornelius Cardew e Michael
Nyman. As origens do minimalismo podem remontar até a música de Satie e as
primeiras obras de Cage, e também à música de Bali, da África negra e da Índia.
O Trio para cordas (1958), de Young, com suas notas uniformes e prolongadas e
sua ausência de ritmo, preparou o caminho. In C (1964), de Riley, introduziu os
elementos de pulsação e a repetição de minúsculas células de motivos em uma
harmonia única; dura mais de 90 minutos. Reich buscou não apenas explorar as
possibilidades da pulsação, mas também as relações lentamente cambiantes que
ocorrem quando um material pouco a pouco se defasa de si mesmo; suas primeiras
experiências com phasing (justaposição de fases, em Come Out, 1966) foram
conseguidas com manipulação de fitas magnéticas preparadas, mas também com
intérpretes tocando ao vivo, especialmente em Drumming (1971), que chamou de
‘música como um processo gradual’. A abordagem característica, e igualmente
severa, de Glass cria alteração rítmica por meio de acréscimo e subtração de
subcélulas de uma frase musical; é típico que um motivo forte, rápido, intenso,
seja estabelecido através de repetição, e então fragmentos dele comecem a ser
repetidos ou omitidos, como em 1+1 (1968). Outros compositores desenvolveram
abordagens minimalistas individuais, incluindo a redução dos meios de
composição a um punhado de notas. A repetição incessante de um material, com
pulsação imutável, ou o prolongamento de notas isoladas, o phasing dos ritmos,
o processo de adições de pequenas células de motivos, o uso de harmonias
simples, tonais ou modais, e a exploração de timbres isolados são algumas das
técnicas minimalistas. Os compositores aplicaram essas técnicas à ópera (por
exemplo, Einstein on the Beach, 1976, e Akhnaten, 1984, de Glass; Nixon in
China, 1987, de John Adams). O minimalismo, com sua rejeição da crescente
complexidade que marcou a maior parte da música ocidental desde os anos 1600,
representa um afastamento do que se entende habitualmente por desenvolvimento
da vanguarda, e suas qualidades hipnóticas, à guisa de transe, o aproximaram de
outros tipos de desenvolvimento em círculos intelectuais dos anos 80 (p.ex., o
interesse pela meditação e por processos de pensamento não ocidentais); também
levou a uma maior aproximação de parte da música séria com a música popular e o
rock.
leitmotiv
(motivo condutor) Tema ou idéia
musical claramente definido, representando ou simbolizando uma pessoa, objeto,
idéia, etc., que retorna na forma original, ou em forma alterada, nos momentos
adequados, numa obra dramática (principalmente operística).
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